Marcelo H. O. Henklain

Rafael Vilas Boas Garcia

 

No dia 18 de janeiro prestamos o nosso reconhecimento à relevante função exercida pela universidade para as nossas vidas. Essa importância está relacionada em grande medida aos benefícios gerados por essa organização ao produzir conhecimento científico, filosófico e artístico, tornando-o acessível à população por meio de ensino e extensão (De Luca et al., 2013).

Lembramos, aqui, que das universidades advém muitos dos profissionais que atuam na sociedade e uma parcela substancial do conhecimento que orienta o desenvolvimento tecnológico e a prestação de serviços em áreas tão diversas e cruciais quanto a produção de alimentos, a geração de energia, a construção civil, a criação de meios de comunicação e o desenvolvimento de tratamentos para doenças. Tipicamente, também parte das universidades a crítica aos modelos de educação, justiça, economia e política existentes, o que contribui para que possamos identificar como construir uma sociedade na qual vigore a equidade, a dignidade e o bem-estar para todos(as).

Ainda com relação à formação de profissionais, é preciso explicitar que na universidade eles adquirem não apenas um repertório de conhecimento científico sobre o mundo ou técnico para uso no trabalho. São desenvolvidas também habilidades para o exercício da cidadania, que envolvem a prática da alteridade, o conhecimento de direitos e deveres, e a capacidade de tomar decisões a partir de uma avaliação da realidade que considera critérios de confiabilidade e validade do conhecimento, múltiplas variáveis (ambientais, econômicas, históricas, sociais etc.) como fontes de informação, e as consequências do que fazemos para nós e os outros, a curto e longo prazo (Carvalho et al., 2014; Gusso, 2013). Por meio dessas habilidades, aumenta-se a probabilidade de ações no mundo que sejam mais efetivas e éticas.

Tudo isso que elencamos como produtos de uma universidade não são apenas palavras bonitas lançadas ao vento para entreter, iludir ou deslumbrar. O trabalho na educação de fato pode produzir impactos significativos e isso tem sido documentado por pesquisadores. Glaeser e Ponzetto (2007), por exemplo, identificaram em sua análise estatística uma relação causal entre tempo de exposição à educação formal por membros de uma sociedade e o fortalecimento de sua democracia. Schneider e Preckel (2017), por sua vez, a partir de uma revisão sistemática de 38 metanálises, observaram que o trabalho docente pode produzir impacto significativo sobre o aprendizado, embora nem todas as práticas docentes sejam igualmente efetivas.

Em síntese, as universidades são necessárias porque de fato podem beneficiar a sociedade! Justamente por isso é importante, para além desse momento de celebração e reconhecimento, pensarmos sobre o que pode ser feito para que as nossas universidades sejam mantidas e renovadas de tal modo que consigam lidar com os desafios existentes em nossa sociedade (Moscardini et al., 2020). Avaliamos que os analistas do comportamento podem contribuir para o fortalecimento das universidades, principalmente, nessa dimensão abordada no parágrafo anterior relativa à efetividade dos processos comportamentais de ensinar e aprender (Cortegoso & Coser, 2013).

Se nem todas as práticas de ensino são igualmente efetivas (Schneider & Preckel, 2017), fortalecer a universidade passa por tornar o trabalho no ensino tão eficaz quanto possível, o que envolve melhorar a nossa capacidade de transformação do conhecimento produzido na universidade em condutas (cidadãs e profissionais) que ajudarão a atenuar ou resolver problemas com os quais nos deparamos em nossa realidade (Kubo & Botomé, 2003). Isso requer conhecimento especializado, por exemplo, sobre (1) como definir o que precisa ser aprendido, (2) mecanismos pelos quais seres humanos aprendem, (3) sob que condições aprendem melhor e (4) como demonstrar que o aprendizado aconteceu. Sabemos que a Análise do Comportamento não tem, sozinha, todas as respostas, mas ela já dispõe de conceitos e de tecnologia (há, pelo menos, 50 anos) que podem ser úteis (Bijou, 2006), bem como recursos metodológicos para a produção de conhecimento novo que ajudem a avançar o trabalho dos educadores.

Cianca et al. (2020), por exemplo, identificaram 69 estudos brasileiros, entre 1998 e 2017, que aplicam conhecimentos derivados da Análise do Comportamento – especificamente da subárea de Programação de Condições para o Desenvolvimento de Comportamentos (PCDC) – no contexto educacional, sendo que a maioria deles lidava com a questão da formação de profissionais no ensino superior, ou seja, além de diversos estudos no contexto da educação básica, têm crescido as produções analítico-comportamentais no Brasil orientadas para o ensino universitário. Nesses estudos, vemos desde trabalhos que apresentam critérios e procedimentos para a descoberta e formulação de objetivos de aprendizagem[1], até o teste empírico de programas de ensino, envolvendo delineamentos sofisticados, a exemplo da Linha de Base Múltipla (LBM) entre participantes, e cuidados metodológicos como avaliações de generalização e follow up.

Na produção analítico-comportamental, vemos também contribuições importantes no que diz respeito à educação especial. Um exemplo é a pesquisa de Escobal e Goyos (2008), que investigou a escolha por opções de trabalho em pessoas com Deficiência Intelectual (D.I.), abrindo o caminho para o desenvolvimento de intervenções que auxiliem essa população a construir projetos de vida profissional. Outro relevante conjunto de estudos traz contribuições para a formação de pessoas com deficiência no ensino superior e a garantia de seus direitos. Castilho (2012), por exemplo, conduziu pesquisa documental na qual caracteriza, à luz da Análise Comportamental Aplicada, as estratégias dos Núcleos de Acessibilidade para a remoção de barreiras (arquitetônicas, comunicacionais, pedagógicas e atitudinais) ao acesso e permanência de pessoas com deficiência na universidade. Além de pesquisas envolvendo o público-alvo da educação especial, os cursos de Análise do Comportamento específicos dessa área são estratégicos para garantir a disponibilidade de profissionais competentes que, dentre outros campos, poderão atuar na educação de nível superior. Esse é o caso da Especialização em Análise do Comportamento Aplicada a população com Transtorno do Espectro Autista, da Universidade Federal de São Carlos.

A propósito, dispomos no Brasil de excelentes cursos para uma formação sólida em Análise do Comportamento, merecendo destaque a capacitação realizada em programas de pós-graduação. Nesses programas, junto com a formação profissional, são desenvolvidas pesquisas e intervenções de excelência que contemplam o contexto educacional e, portanto, consistem em contribuições concretas para o fortalecimento das universidades. Apenas como uma ilustração do cardápio de possibilidades existente atualmente, mencionamos alguns dos programas com formação em Análise do Comportamento: Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-graduação em Ciência do Comportamento da Universidade de Brasília, Programa de Pós-graduação em Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina e Programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Todos eles são referências na produção e socialização de conhecimento científico na interface entre a Análise do Comportamento e a Educação. Para quem busca formação nessa área, a consulta a esses programas é fundamental.

Para finalizar, lembramos que nesse conturbado século XXI, no qual vivenciamos uma pandemia e precisamos lidar com questões ambientais, sociais e econômicas, simultaneamente, complexas e urgentes, a universidade assume, mais do que nunca, papel estratégico para a nossa sociedade (Moscardini et al., 2020; Volpato, 2009). Contudo, essa organização precisa de auxílio, parte do qual, acreditamos, pode ser oferecido pela Análise do Comportamento. Esperamos com esta reflexão ter encorajado pesquisas e intervenções analítico-comportamentais no contexto da educação de nível superior e que, nessa perspectiva, as referências que utilizamos neste texto possam dar dicas úteis sobre caminhos promissores nessa direção.

 

Referências

Bijou, D. (2006). O que a Psicologia tem a oferecer à educação – agora! Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 2(2), 287-296.

Carvalho, G. de S., Silva, S. Z., Kienen, N., & Melo, C. M. de. (2014). Implicações éticas na proposição de comportamentos-objetivo a partir da perspectiva behaviorista radical. Revista Perspectivas em Análise do Comportamento, 5(1), 93-105. Recuperado de < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pac/v5n2/v5n2a04.pdf >.

Castilho, A. C. (2012). Caracterização das condições de acessibilidade previstas para o acadêmico com necessidades educacionais especiais nas instituições públicas de Ensino Superior do Estado do Paraná (Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá). Recuperado de < https://bit.ly/3tBdiZq >.

Cianca, B. C., Panosso, M. G., & Kienen, N. (2020). Programação de Condições para Desenvolvimento de Comportamentos: Caracterização da produção científica brasileira de 1998-2017. Perspectivas em Análise do Comportamento, 11(2), 114-136. http://dx.doi.org/10.18761/PAC.2020.v11.n2.01

Cortegoso, A. L., & Coser, D. S. (2013). Elaboração de programas de ensino. São Carlos: EdUFSCar.

De Luca, G. G., Botomé, S. S., & Botomé, S. P. (2013). Comportamento constituinte do objetivo da universidade: Formulações de objetivos de uma instituição de ensino superior em depoimentos de chefes de departamento e coordenadores de cursos de graduação. Acta Comportamentalia, 21(4), 459-480. Recuperado de < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/actac/v21n4/n4a05.pdf >.

Escobal, G., & Goyos, C. (2012). Análise das variáveis determinantes do comportamento de escolha entre alternativas de trabalho em adultos com deficiência mental. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 4(1), 2012. http://dx.doi.org/10.18542/rebac.v4i1.844

Glaeser, E. L., & Ponzetto, G. A. M. (2007). Why does democracy need education? Journal of Economic Growth, 12, 77-99. https://doi.org/10.1007/s10887-007-9015-1

Gusso, H. L. (2013). Avaliação da eficiência de um procedimento de apresentação semanal de consequências informativas ao desempenho de alunos em nível superior (Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis). Recuperado de < https://goo.gl/AAqvQM >.

Kubo, O. M. & Botomé, S. P. (2003). A transformação do conhecimento em comportamentos profissionais na formação do psicólogo: As possibilidades nas diretrizes curriculares. Em M. Z. S. Brandão et al. (Orgs.), Sobre comportamento e cognição: A história e o avanços, a seleção por consequências em ação (pp. 483-496). Santo André: Esetec.

Moscardini, A. O., Strachan, R., & Vlasova, T. (2020). The role of universities in modern society. Studies in Higher Education. https://doi.org/10.1080/03075079.2020.1807493

Schneider, M., & Preckel, F. (2017). Variables associated with achievement in higher education: A systematic review of meta-analyses. Psychological Bulletin, 143(6), 565-600. https://doi.org/10.1037/bul0000098

Volpato, G. L. (2009). Administração da Vida Científica. São Paulo: Cultura Acadêmica.

 

[1] Representações do que se espera que estudantes aprendam como decorrência de sua exposição ao ensino para que possam, então, lidar de modo mais efetivo com as situações-problema que caracterizam a sua realidade (Carvalho et al, 2014).